Racismo: um Trauma Coletivo não Considerado
Resumo
Resumo: As relações étnico-raciais no Brasil são caracterizadas por um racismo, que, apesar de existir de modo nstitucional e estrutural, não é identificado como um fator nocivo nas possibilidades e perspectivas de vida social, política, econômica, profissional do sujeito. O racismo determina uma imensa desigualdade de oportunidades, alimentando um ciclo vicioso de relações permeadas por dominação e subserviência. Igualmente, não é considerado um fator que influencie o desenvolvimento psico-social do sujeito, através de efeitos traumáticos graves individuais e coletivos. Essa desconsideração do racismo como agente responsável por doença é definitivamente uma lacuna que precisa ser entendida, elaborada e sanada. Este artigo intenciona abordar a importância de identificar a relação da vivência e da prática do racismo com determinados traços de personalidade, comportamentos, sofrimentos, inibições de ação, enfim, com determinados comprometimentos das funções egoicas dos sujeitos na nossa sociedade, seja ele o que sofre ou o que pratica o racismo. Neste contexto, torna-se essencial elucidar que a interrelação entre racismo e saúde mental não é uma questão de responsabilidade apenas da população negra, mas sim de toda a sociedade. A população branca racializou a população negra, mas com isso não se isentou de também vivenciar os malefícios do racismo. A complexidade e abrangência desta abordagem é muito mais ampla do que muitas vezes somos capazes de acessar. Em um país estrutural e institucionalmente racista, não podemos falar de uma situação de trauma enquanto um episódio isolado e pontual, mas sim de um processo traumático secular que acomete toda a população de um modo complexo e com frequência despercebido. Um processo que adoece o sujeito sem alcançar uma representação psíquica. Identificar comprometimentos da saúde mental e da saúde geral, que possam estar relacionados com esse processo, propicia a simbolizaçāo, a elaboração e o consequente cuidado destes focos traumáticos Por ser uma questão já cronificada e naturalizada na nossa sociedade, nem sempre se consegue sequer identificar que esteja havendo um sofrimento ou um comprometimento. Não se consegue simbolizar esse sofrimento. Como em todo traumatismo grave a maneira como cada sujeito lida com esse traumatismo, também vai depender das características e recursos individuais inerentes a ele e dos recebidos na sua relação com o meio. Outro aspecto importante é o entendimento dos processos de internalização e projeção do racismo, tanto por quem o sofre como de quem o pratica ou com ele compactua: o quanto, muitas vezes, a própria vítima é culpabilizada, culpabiliza-se e entra em conformidade com a prática e postura racista; vice-versa, o algoz se vitimiza e preconiza a punição violenta da vítima, o exercício de poder e a manutenção de privilégios. A transmissão transgeracional deste traumático representa um aspecto reconhecido e identificado através de pesquisas atuais, e precisa ser considerado e incluído no entendimento do comportamento psíquico. Como psicanalista, enfatizo a importância do terapeuta igualmente fazer um trabalho de confrontação e elaboração do racismo nele internalizado, para que ocorra a necessária consideração dos aspectos acima elencados, tanto na escuta terapêutica como no processo transferencial e contra-transferencial analítico, e dessa forma facilite a construção da representação do que não pode sequer ser simbolizado dada a gravidade do trauma.
Palavras chaves: Racismo - Trauma - Introjeção
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