Do sujeito com Corpo ao Corpo-Sujeito: Reconstruindo a Ideologia de Corpos Normofuncionais
Resumo
O trabalho apresentado é expressão de um coletivo. Importante lembrar que nós, pesquisadores/as das universidades públicas, só podemos produzir o que produzimos por que experimentamos certas condições de trabalho. E a condição destacada aqui é a de produção de um coletivo de pesquisadores/as, com tempo e sistematização das investigações de modo a garantir articulação com o repertório acadêmico já existente, as experiências atualmente em curso e o exercício reflexivo sobre os rumos da área de conhecimento a que nos dedicamos. É preciso dizer que a indignação é que nos mobiliza a trazer este tema para compartilhar em um evento sobre Psicologia Corporal. O percurso realizado no trabalho é o seguinte: a) O que nos diz a expressão “sujeito com corpo”: as pessoas com deficiência nos ensinando sobre o que essa dicotomia revela; b) E por que adotamos corpo-sujeitos? Não dá para usar só sujeito e achar que as pessoas vão lembrar que estamos trabalhando com a ideia de que o sujeito é seu corpo. Ademais, no caso das pessoas com deficiência, mesmo as que, com deficiência intelectual, carregam a marca de corpo impedido: basta lembrarmos os símbolos internacionais relativos a cada uma das deficiências; c) Ideário normofuncional – a redução do sujeito ao desempenho de seu corpo, tomado como coisa; d) Proposição de abandonarmos a expressão deficiência e passarmos a utilizar a expressão diferenças funcionais – viva o movimento de vida independente da Espanha; e) O corpo-sujeito com diferenças funcionais e a recusa do ideário normofuncional. Parafernalhas ortopédicas, próteses, implantes, exoesqueletos, todas essas são possibilidades, mas não são condicionalidades para a vida digna. F) Convenção e sua definição. Deficiência como identidade, não como constatação do impedimento do corpo. Modelo anterior, baseado na reabilitação, configura-se como sistema de opressão. G) Algumas operações ideológicas que têm, como efeito, o apagamento da demanda identitária e a perpetuação do ideário de normalização: a) banalização das diferenças via o jargão “todos somos diferentes”. Redução das diferenças a qualidades diferenciais; Deslocamento da inclusão como processo de transformação das condições de vida para movimento de inserção do “outro” em “nosso” mundo; A exigência da aceitação do “outro” como “o diferente”. Efeito dessas operações ideológicas é a reiteração da impossibilidade de certos corpos-sujeitos que, quando aparecem, despertam choro, piedade... Tomadas pela ideia de superação, muitas vezes, não conseguimos viver a experiência ética e estética que aquela cena propõe, porque não paramos de pensar “o quanto aquela pessoa teve que se superar para conseguir fazer isso ou aquilo”; “nossa, eu, que sou normal, não conseguiria dançar assim, pular assim...”. Assim, assistimos a pessoas sem uma das pernas dançando forró, corais de pessoas surdas, bailarinas cegas, quadros pintados por pessoas sem braços, bebês sendo cuidados por mães usuárias de cadeiras de roda. É preciso preguntar se a emoção está na experiência humana que a cena retrata ou na piedade que constitui nossa percepção da deficiência. Encerramos, convidando a conhecerem as teorias Crip e o Manifesto Freak; algumas das iniciativas de reivindicação do direito à monstruosidade. Pessoas que não querem fazer parte da massa amorfa de pessoas normais. Não é normal implantar chifres ou cortar a língua para fazê-la bifurcada. Não é normal mover apenas os músculos da cabeça. Não é normal não enxergar. E é isso que queremos: não ser normais. Porque a normalidade implica passar a fazer parte de um sistema de opressão que define quais diferenças corporais são possíveis e quais diferenças corporais não são possíveis. Somos uma profusão de corpos. Gordos, esqueléticos, deformados, reinventados. Sempre e necessariamente, corpos transformados na e pela cultura. Porque nenhum corpo é natural. Porque todo corpo-sujeito é uma intervenção política. Assim, terminamos celebrando a possibilidade de honrarmos nossos corpos, sujeitos que somos de nossas transformações. Que possamos recusar a propositura da normalização que está em curso, hoje, via o discurso da inclusão dos outros em nosso mundo. Porque, para honrar todos e cada um de nossos corpos-sujeitos, é preciso ter a coragem de reinventar nossos gestos, nossa ocupação do mundo, nossos processos de subjetivação. O mundo não nos pertence se não somos capazes de compartilhá-lo com toda e qualquer pessoa humana. Assim, não cabe propor a inclusão dos/as outros/as, naturalizando nosso lugar no mundo. Cabe admitir processos de dominação que produziram a falácia do mundo como o ethos, a morada de alguns/mas para, então, reconfigurar a discussão sobre inclusão, tomando-a como princípio ético. Princípio no qual toda e qualquer forma humana tem sua dignidade intrínseca reconhecida, restando-nos construir formas de acolhimento que reinsiram as experiências desses corpos-sujeitos no conjunto das experiências de humanidade.
Palavras-chave: Sujeito, Corpo, Ideologia.
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Referências
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